É difícil abordar certos assuntos sem parecer piegas. Então correrei
esse risco para falar de algo menosprezado por muitos, mas que considero
fundamental: o abraço. E entenda que quando falo sobre o abraço não estou
somente me referindo ao gesto físico de abraçar em si, mas, metaforicamente, a
algo muito maior: a demonstração de amor e afeto pelo próximo. Uma demonstração
que pode salvar vidas. E sem a qual nossa fé simplesmente não é cristã. Pois
dispensar amor ao outro é parte tão indissociável do Evangelho como viver a fé
em comunidade, prestar culto a Deus, estudar a Bíblia e orar. É impossível
glorificar o Senhor sem dar-se pelo próximo. Biblicamente impossível.
Quando faltava pouco tempo para minha filha nascer fiz um curso de
primeiros-socorros para pais de primeira viagem. A professora, uma enfermeira,
contou uma história cuja fonte ignoro e os detalhes me fogem agora à memória.
Mas basicamente era o relato de uma experiência de um dos reis franceses
pré-Revolução que decidiu estudar o que acontece com as pessoas quando há falta
do contato humano. Pelo que me lembro da história, ele mandou recolher ao
palácio um grupo de órfãos recém-nascidos, que não deveriam ser tocados por
ninguém. Para as necessidades essenciais, as amas que cuidavam dos bebês deveriam
usar luvas grossas. No restante do tempo eles viveriam isolados. O resultado é
que em pouco tempo, mesmo bem alimentadas e medicadas, todas as crianças
morreram. Em suma: sem afeto o indivíduo definha.
É por isso que o trabalho de grupos como os Doutores da Alegria é essencial. O carinho pode ajudar muito na
recuperação de doentes. Sabe-se cientificamente que afeto levanta as defesas
imunológicas. Não é à toa que os hospitais têm leito para acompanhantes e
horário de visita. Repare que pessoas que vivem em isolamento acabam loucas.
Precisamos uns dos outros. Ninguém basta a si mesmo. Contato humano é gênero de
primeira necessidade: carinho é alimento e amor é ar.
Leia, por favor, devagar e com muita atenção essa conhecida passagem,
que você já leu muitas vezes. Mas tente ler como se fosse a primeira: “Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda:
Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus
anjos. Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes
de beber; sendo forasteiro, não me hospedastes; estando nu, não me vestistes;
achando-me enfermo e preso, não fostes ver-me. E eles lhe perguntarão: Senhor,
quando foi que te vimos com fome, com sede, forasteiro, nu, enfermo ou preso e
não te assistimos? Então, lhes responderá: Em verdade vos digo que, sempre que
o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer. E
irão estes para o castigo eterno, porém os justos, para a vida eterna” (Mt
25.41-46).
Pense: não é interessante que Jesus tenha posto comida e bebida no exato
mesmo patamar que dar acolhida a um forasteiro solitário, socorro ao que passa
vergonha por sua nudez, carinho e preocupação por quem está isolado ou
dedicação ao que vive uma situação de carência emocional devido à saúde
debilitada? Será que foi à toa?
O mesmo ocorre quando o Senhor define qual é a religião
verdadeira: “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é
esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo
guardar-se incontaminado do mundo” (Tg 1.27)? Será por acaso que
“guardar-se incontaminado” é posto no mesmo nível que atitudes que têm por
finalidade compartilhar amor, oferecer presença, presentear com solidariedade?
Não, para Deus não existe nada por acaso. Contaminar-se com o mundo e não
dispensar amor a quem precisa são pecados do exato mesmo nível, como o contexto
e a boa hermenêutica deixam claro. A conjunção “e” indica soma: uma
coisa mais outra coisa, atreladas e inseparáveis. Desamparar quem está vivendo
qualquer tipo de necessidade emocional ou espiritual em nome da obediência a
Deus é, portanto, uma enorme incoerência do ponto de vista bíblico. É como
engolir areia para matar a sede. E preste muita atenção ao detalhe: “…para com
o nosso Deus e Pai”. Mais uma vez as Escrituras mostram que abraçar almas em
necessidade é abraçar Deus. Em linguagem bíblica: glorificá-lo.
Assim, a religião verdadeira e a demonstração de amor a Cristo estão
intimamente ligadas à entrega de si pelo próximo. E não estou falando de ação
social, luta de classes ou envolvimento institucional da igreja em causas de
caridade. Mas à devoção individual e pessoal em forma de conforto e carinho. A
gestos feitos por pura preocupação com o bem-estar alheio, seja o carente uma
pessoa pobre ou rica. Ao mais autêntico amor desinteressado. Quer glorificar
Deus, meu irmão, minha irmã? Ame o próximo. Demonstre afeto. Dedique seu tempo
ao outro. Cuide. Nutra. Ampare. Solidarize-se. Esteja junto. Viva a dor dele.
Viva a nudez dele. Viva a fome e a sede dele. Viva as perdas dele. Viva as
cadeias dele. Viva a solidão e o pavor dele. Sinta o outro na sua pele. Na
melhor metáfora: abrace.
É pelo entendimento dessa verdade tão simples e tão óbvia, mas ao mesmo
tempo tão esquecida, que me entristeço tanto quando vejo cristãos agressivos.
Ou sacerdotes que batem na mesa e ofendem a granel. Ou cristãos egoístas. Ou,
ainda, irmãos que não ofertam seu amor. Não consigo entender um pastor que não
visita suas ovelhas no hospital, que não telefona para saber como os membros da
igreja que Deus lhe confiou estão. Não consigo conceber como alguém que prega a
graça larga pessoas pra lá e vai viver sua vida. Não consigo conceber cristãos
que sabem que o irmão está no vale da sombra da morte, triste, deprimimido e
abatido, e não fazem absolutamente nada. Simplesmente não entendo.
Fala-se muito de cristãos que pecam, e com razão. Temos de fugir do
pecado e não há o que discutir sobre isso. Mas fala-se pouco ou quase nada
sobre cristãos que pecam por não amar o próximo. É um pecado invisível. E tenho
a firme convicção de que há mais cristãos que não amam seus semelhantes do que
cristãos que adulteram, fumam ou bebem álcool. Mas quem se importa, não é?
Desobedecer o primeiro mandamento não escandaliza ninguém.
A maior causa da crise que a Igreja vive atualmente e do nosso
descrédito entre os não cristãos é a falta de amor ao próximo. Muitos ficam
chateados quando livros como “Feridos em nome de Deus”, de Marília Camargo
(editora Mundo Cristão), expõem o desamor que existe entre nós, achamos que
“roupa suja se lava em casa”. Mas… o que está ali não é a pura verdade? Não é o
que ocorre? Tenhamos peito para assumir. E mais peito ainda para começar a amar
de fato e não só de palavra. Pedro, tu me amas? Então cuida dos meus. Você ama
a Cristo? Cuide.
Deus amou entregando o próprio Filho. Mas nós não queremos amar, pois
custa. Amar é arriscado. Pois para amar temos de abdicar do tempo que teríamos
para nós, de perdoar quem nos feriu, de abraçar pessoas que cheiram mal, de nos
misturar com o diferente, de correr riscos pelo outro, de diminuir para que o
outro cresça. E quem quer fazer isso? É mais confortável cuidar só de si e, no
máximo, da família. O outro não tem nada a ver comigo. É muito triste perceber
que há gente que pensa assim. Pior ainda é ver quem age segundo esse
pensamento. Que triste. Que triste.
Deus amou entregando o próprio Filho. E você, que perda é capaz de
sofrer para demonstrar amor? Que risco está disposto a correr para amar o
próximo? Quão fundo afundaria o pé na lama pelo outro? O quanto de si você tem
peito de entregar em solidariedade por quem sofre, por quem te ofendeu, por
quem pecou, por quem não merece? As respostas a essas perguntas podem mostrar
que tipo de cristão você é: um agente da graça, da misericórdia e do amor ou um
servo do legalismo, dos lugares-comuns e do egoísmo.
Ofereça afeto. Dê carinho. Doe presença. Oferte seu tempo. Ame. Ou, em
outras palavras: seja um cristão. Isso é glorificar Deus mais do que qualquer
outra coisa – está lá, na Bíblia, para quem quiser ver. E Jesus agradece. Pela
comida, pela bebida, pela roupa, pela visita, pelo amor. Pelo abraço, enfim. (*)
Louvai
ao Senhor!
Por Cristo. Em Cristo. Para Cristo.
Que
Deus lhe abençoe!
(*) Por: Maurício Zágari
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