Vivemos uma época da História da Igreja em que é muito fácil nos deixar
levar pela tentação de voltar nossas atenções para discussões acerca das
instituições e estruturas eclesiásticas e nos esquecermos de questões que –
pelo relato dos evangelhos – preocuparam e ocuparam muito mais o tempo de
Jesus. Em nossos dias, “apologética” está muito na moda e sobram ambientes em
que, em nome de uma suposta “defesa da fé”, se fala bastante contra igrejas,
denominações e grupos eclesiásticos (e escrevo entre aspas porque 90% do que se
apresenta na Internet hoje como “apologética” na verdade são só agressões e
fofocas que não contribuem de fato para a saúde espiritual da Igreja). O que
tenho refletido muito nos últimos tempos é sobre o risco real em que caímos de
nos preocuparmos tanto em discutir aspectos relacionados às instituições
eclesiásticas que pecamos por desviar nossas atenções do que mais importa para
Deus: o indivíduo.
É evidente que discutir questões ligadas à instituição é importante.
Afinal, se não combatemos a Teologia da Prosperidade, os desmandos de certas
igrejas neopentecostais, as heresias e outros graves problemas que deformam a
Igreja de Nosso Senhor estamos permitindo que milhares de pessoas sejam
enganadas e mal discipuladas. Mas quando voltamos excessivamente os olhos para
isso, acabamos tão preocupados com o macro que os detalhes que mais importam
tornam-se periféricos, quando deveria ser o contrário.
Recentemente decidi reler todo o Novo Testamento. E tive uma percepção
bem interessante. Se formos prestar atenção no foco das preocupações de Jesus e
dos apóstolos, se formos ao cerne do Sermão do Monte, das epístolas paulinas,
das gerais e dos livros de Atos e Apocalipse, veremos que a esmagadora maioria
dos problemas apontados, os grandes desmandos, as orientações, as pregações e
palestras eram quase que em sua totalidade voltadas para questões pessoais.
Raramente vemos exortações contra grupos ou instituições. É a alma humana que
está em debate na maior parte do Novo Testamento. Evidentemente, à luz da
pessoa de Cristo e da glória do Pai.
Jesus diz uma única vez que um enfermo foi curado para a glória de Deus. Se formos ver os outros milagres de Cristo perceberemos que estavam ligados a um aspecto da personalidade do Senhor: compaixão. Jesus perdoa pecadores. Jesus sara os que clamam a Ele em lágrimas. Jesus ensina sobre o Reino sempre em relação ao aspecto humano e individual. Jesus está o tempo todo preocupado com pessoas. Que têm nome, cheiro, dores, depressões, noites insones, desesperança, falta de paz. Mesmo quando fala dos publicanos e fariseus Ele não está criticando o grupo como um todo ou questionando sua existência, mas sim atacando aspectos falhos do coração daqueles homens, como a hipocrisia e a ganância. Tanto que chama Paulo, um fariseu, não para abandonar o farisaísmo, mas para se converter de seus caminhos pessoais equivocados.
Não vemos Jesus investir seu tempo criticando o governo romano, a
organização do templo ou as sinagogas. Pelo contrário, manda pagar o tributo
aos dominadores, vai às sinagogas e segue religiosamente a liturgia de culto
praticada nas mesmas, não discute sobre a legitimidade do partido fariseu
contra o saduceu (ou vice-versa) ou levanta bandeiras contra os essênios.
Sempre vemos Jesus falar sobre questões concernentes ao indivíduo. Ele quer
ensinar pessoas, se preocupa em alimentá-las, se condói do enfermo, tem
misericórdia do possesso, deseja que João, Maria, Antônio, Beto e Sheila sejam
alcançados pelas boas novas, perdoados e salvos. Ele não quer salvar um grupo
impessoal. Quer dar vida a almas.
O mesmo vemos nas motivações de Paulo. Repare que em suas epístolas ele
se preocupa não em saudar ou enviar saudações dos “adeptos da Missão Integral”,
dos “ortodoxos”, os “membros da igreja emergente”, os “irmãozinhos
pentecostais” ou “os que congregam nas igrejas históricas”. Ele saúda pelo
nome. Menciona Estéfanas, Fortunato, Acaio, Tíquico, Onésimo, Aristarco,
Marcos, Epafra, Lucas, Ninfa, Prisca, Áquila, Onesíforo, Erasto, Trófimo,
Êubulo, Prudente, Lino, Cláudia e tantos outros. Do mesmo modo, não critica
grupos organizados ou escolas de pensamento nefastas, mas dirige suas tristezas
a pessoas como Demas e Alexandre, o latoeiro. Nomes. Gente. Almas.
Sou de Paulo. Sou de Apolo. E o que disse Paulo sobre isso? “Acaso Cristo está dividido?” (1 Co 1.13a). João
escreveu suas epístolas para combater os gnósticos, grupo herético dito cristão
que pregava que Jesus não era Deus feito carne. Mesmo assim sua primeira carta,
por exemplo, é extremamente pessoal. “Filhinhos” e “amados” são as duas formas
mais usadas pelo apóstolo para se dirigir aos seus destinatários. E se você lê
com atenção tudo o que ele escreve contra os ensinamentos dos gnósticos é
sempre tendo em vista aspecto individuais dos ensinamentos espúrios e como eles
afetavam pessoas. Essa carta, que podemos considerar como sendo a mais motivada
por aspectos institucionais de todo o Novo Testamento, é extremamente
preocupada com o indivíduo. A releia com atenção e você verá. Os
“filhinhos”. Os “amados”. E nenhuma escola de pensamento ou doutrinária é filha
ou amada de ninguém. Pessoas são.
Nas sete cartas à igrejas de Apocalipse vemos referências
institucionais, isso é fato (prova que essa discussão não pode ser
menosprezada): aos nicolaítas e aos que seguem a doutrina de Balaão. Mas, de
resto, fala a todo tempo sobre questões do coração, como o abandono do primeiro
amor, a fidelidade, obras, amor, fé, serviço, perseverança. Menciona até mesmo
uma tal Jezabel pelo nome, por estar pervertendo os irmãos.
A conclusão é que Deus está preocupado com pessoas. Comigo. Com você.
Com quem você ama. Com quem você odeia. Com arrependimento e redenção de
indivíduos. Jesus não vai salvar os membros desta ou daquela denominação,
mandar todos os calvinistas para o Céu ou condenar todos os adeptos da
equivocada Confissão Positiva para o inferno. O que está escrito no Livro da
Vida são nomes de indivíduos. Nomes de gente. Nomes com rosto, CPF, é o filho
do Zezinho da padaria e a mãe da sua amiga Carla, da escola. Gente que tem mau
hálito ou que acorda de mau humor, indivíduos que falam “pobrema” e almas que
moram em condomínios de luxo. O porteiro do seu prédio. O lixeiro da sua rua. O
jardineiro que você nunca cumprimentou. O empregado que você jamais
abraça. O manobrista que todo dia guarda a chave do seu carro mas você
nem sabe seu nome. Quando pensa em nós, o que a Bíblia transparece não é que
Ele pensa em “nós”: pensa no “eu” e no “você”, cujos fios de cabelo Deus sabe
de cor quantos temos.
Por muito tempo devotei muita atenção para grupos. Não que eles não
sejam importantes, repito, mas hoje estou muitíssimo mais preocupado com o
indivíduo. Quero chegar antes de o culto começar na igreja e cumprimentar
aquela irmã cheia de olheiras sentada na última fila da igreja. Perguntar se
está tudo bem – e ouvir sua resposta de fato e não por uma obrigação
pseudopiedosa. Quero gastar tempo que seria meu para ir à casa da senhora
doente e que não tem amigos, doar-me e não apenas aparentar estar preocupado.
Quero ir ao hospital orar com o irmão de uma conhecida que está padecendo de
Aids – contraída numa relação homossexual. Órfãos e viúvas em suas tribulações
são pessoas. É o Carlinhos, que perdeu os pais num acidente de carro, e a Dona
Rute, cujo marido teve um enfarte fulminante.
Nossas igrejas estão abarrotadas de pessoas carentes, solitárias,
pecadoras, infelizes. Meu papel como cristão é refletir o amor de Cristo
dando-lhes calor humano. Estendendo perdão. Pacificando as animosidades. Me
fazendo presente nos períodos de sofrimento. Pois aprendi o que é passar
momentos terríveis, depressivos e assustadoramente solitários e nem um único
cristão telefonar para saber como estou. E isso é igreja que diz glorificar
Deus mas só o faz da boca para fora, pois se esqueceu do próximo – que não é
uma entidade autômata, com número de série: é uma alma humana.
Enquanto não amarmos de fato, perdoarmos de fato, nos doarmos de fato e
enxergarmos de fato a dor do ser humano que cruza conosco no corredor da igreja
ou do supermercado… estamos freqüentando a igreja para que mesmo? Glorificar
Deus? Como se fosse possível uma coisa sem a outra. (*)
Paz a todos vocês que estão em
Cristo.
Louvai ao Senhor!
Por Cristo. Em
Cristo. Para Cristo.
Que Deus lhe abençoe!
(*) Maurício
Zágari – Blog Apenas
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