Devemos nos
chamar de “evangélicos” ou não? Dentro dos debates que tenho visto e vivido
sobre se um cristão assumir a terminologia “evangélico” faz dele um religioso
vazio e distante do Evangelho de Cristo, um mau fariseu (para não ser
generalista e injusto com os bons fariseus, como Paulo e Gamaliel), um
legalista etc, reproduzo abaixo um magnífico texto escrito pelo reverendo John
Stott a esse respeito. Sugiro que você leia, reflita, dispa-se dos preconceitos
e jargões e deleite-se nas reflexões desse que é considerado um dos maiores
teólogos das últimas décadas – até seu falecimento recente. Segue o que o
saudoso Pastor Stott falou sobre denominar-se ou não “evangélico”, a partir da
perspectiva correta: a bíblica e histórica.
É uma
análise curta, porém magnífica, do significado desse conceito, sem a influência
que nós, brasileiros, recebemos do mau exemplo de um punhado de maus líderes e
igrejas que se chamam “evangélicas” mas que praticam e pregam barbaridades do
ponto de vista bíblico. Ouçamos então essa voz que tanto edificou os cristãos
dos séculos 20 e 21 com seu conhecimento sobre as coisas de Deus.
(Agradeço
ao irmão João Paulo Silva, que me encaminhou o texto).
A Tradição
Evangélica
John Stott
John Stott
Gostaria de
argumentar, embora corra o risco de simplificar em demasia e de ser acusado de
arrogante, que a fé evangélica não é outra senão a fé cristã histórica. O
cristão evangélico não é aquele que diverge, mas que busca ser leal em sua
procura pela graça de Deus, a fim de ser fiel à revelação que Deus fez de si
mesmo em Cristo e nas Escrituras.
A fé
evangélica não é uma visão peculiar ou esotérica da fé cristã – ela é a fé
cristã. Não é uma inovação recente. A fé evangélica é o cristianismo original,
bíblico e apostólico. A marca dos evangélicos não é tanto um conjunto impecável
de palavras quanto um espírito submisso, a saber, a resolução a priori de crer
e de obedecer ao que quer que seja que as Escrituras ensinem.
Eles estão,
de antemão, comprometidos com as Escrituras, independentemente do que se possa
descobrir que elas digam. Eles afirmam não ter liberdade para lançar seus
próprios termos para sua crença e comportamento. Percebem essa perspectiva de
humildade e de obediência como uma implicação essencial do senhorio de Cristo
sobre eles.
As tradições
católica e liberal tendem a exaltar a inteligência e a bondade humana e,
portanto, esperam que os seres humanos contribuam de alguma forma para a
iluminação e salvação deles mesmos. Os evangélicos, de outro lado, embora
afirmem veementemente a imagem divina que a nossa humanidade carrega, têm a
tendência de enfatizar nossa finitude humana e queda e, portanto, de insistir
que sem a revelação não podemos conhecer Deus e sem a redenção não podemos
alcançá-lo.
Essa é a
razão pela qual os aspectos essenciais do evangelho focam a Bíblia e a cruz,
bem como a indispensabilidade delas, uma vez que foi por meio delas que a
Palavra de Deus nos foi comunicada e que a obra de Deus em favor de nós foi
realizada. Na verdade, sua graça apresenta a forma trinitária. Primeiro, Deus
tomou a iniciativa em ambas as esferas, ensinando-nos o que não poderíamos
saber de outra forma, bem como dando-nos o que não poderia nos ser dado de
outra maneira. Segundo, em ambas as esferas o Filho desempenha um papel
singular, como o único mediador por meio de quem a iniciativa do Pai foi
tomada. Ele é a Palavra que se fez carne, por meio de quem a glória do Pai foi
manifestada. Ele é o imaculado que se tornou pecado por nós para que o Pai
pudesse nos reconciliar com ele mesmo.
Além disso,
a Palavra de Deus falada por meio de Cristo e a obra de Deus realizada por
intermédio de Cristo eram ambas hapax , completadas de uma vez por todas. Nada
pode ser acrescentado a nenhuma delas, sem que com isso se deprecie a perfeição
da palavra e da obra de Deus realizada por meio de Cristo. Depois, em terceiro
lugar, tanto na revelação quanto na redenção, o ministério do Espírito Santo é
essencial. É ele que ilumina nossa mente para compreender o que Deus revelou em
Cristo, e é ele quem move nosso coração para receber o que Deus alcançou por
meio de Cristo.
Assim,
nessas duas esferas, o Pai agiu por meio do Filho e continua a agir por meio do
Espírito Santo. Os evangélicos consideram essencial crer não apenas no
evangelho revelado na Bíblia, mas também em toda a revelação da Bíblia; crer
não apenas que “Cristo morreu por nós”, mas também que ele morreu “por nossos
pecados” e, de forma que Deus, em amor santo, pode perdoar os crentes
penitentes; crer não apenas que recebemos o Espírito, mas também que ele faz
uma obra sobrenatural em nós, algo que, de variadas formas, foi retratado no
Novo Testamento como “regeneração”, “ressurreição” e “recriação”.
Eis aqui
três aspectos da iniciativa divina: Deus revelou-se em Cristo e no testemunho
bíblico total sobre Cristo; Deus redimiu o mundo por meio de Cristo e tornou-se
pecado e maldição por nós; e Deus transformou radicalmente os pecadores pela
operação interna de seu Espírito.
A fé
evangélica, assim afirmada, é o cristianismo histórico, maior e trinitário, e
não um desvio excêntrico dele. Pois não vemos a nós mesmos oferecendo um novo
cristianismo, mas chamando a Igreja ao cristianismo original.
Se
“evangélico” descreve uma teologia, essa teologia é a teologia bíblica. Os
evangélicos argumentam que são cristãos bíblicos plenos e que, para ser um
cristão bíblico, é necessário ser cristão evangélico. Explicando dessa forma,
isso pode soar como arrogância e exclusivismo, mas essa é uma crença sincera.
Certamente, o desejo sincero dos evangélicos é não ser um cristão mais ou menos
bíblico. A intenção deles não é ser sectário. Isto é, eles não se apegam a
certos princípios apenas para manter a identidade deles como um “grupo”. Ao
contrário, sempre expressaram sua prontidão para modificar, até mesmo
abandonar, quaisquer das crenças que estimam, ou, se necessário, todas elas, se
lhes for demonstrado que não são bíblicas.
Os
evangélicos, portanto, consideram como a única possível via para a reunião das
igrejas a via da reforma bíblica. De acordo com o ponto de vista deles, a única
esperança firme para as igrejas que desejam se unir é a disposição comum para
se sentarem juntas sob a autoridade da Palavra de Deus, a fim de serem julgadas
por ela.
O
significado da palavra “conservador” quando aplicada aos evangélicos, é que nos
apegamos veementemente aos ensinos de Cristo e dos apóstolos, conforme
apresentados no Novo Testamento, e que estamos determinados a “conservar” toda
a fé bíblica. Isso foi o que o apóstolo determinou que Timóteo fizesse: “Guarde
o que lhe foi confiado”, conserve isso, preserve isso, jamais abandone seu
apego a isso, nem deixe que isso caia de suas mãos.
* * *
O Rev. John
Stott , Ministro Anglicano e escritor, foi ex-Capelão da Rainha da Inglaterra e
Reitor Emérito da Paróquia de All Souls, em Londres. Fonte: “Cristianismo Autêntico – 968 Textos Selecionados da Obra de John
Stott” , compilação pelo Bispo aposentado Anglicano Timothy Dudley-Smith (Autor
dos dois volumes já publicados de sua Biografia Autorizada), Vida Acadêmica:
São Paulo, 2006, www.editoravida.com.br , www.vidaacademica.net , pp.413-420.
Louvai ao
Senhor!
Por Cristo. Em Cristo. Para Cristo.
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