O processo de
transformação –ou metamorfose– do cristão à semelhança de Cristo começa com a
renovação do entendimento.
Leitura: Romanos
12:1-2.
A carta aos Romanos
pode ser dividida em duas partes: uma primeira, que começa no capítulo 1 e
termina no capítulo 11, e uma segunda, que começa no capítulo 12 e vai até o
final da carta, no capítulo 16. Romanos, da mesma forma que Efésios, têm uma
primeira parte dedicada aos aspectos da revelação da obra de Deus em Cristo, e
uma segunda parte, que é a aplicação da primeira.
Os que conhecem os escritos de Paulo sabem que o apóstolo se preocupa muito de que o que foi revelado tenha sempre uma aplicação prática. Não se contenta em declarar os feitos, as coisas que Deus tem feito em Cristo, mas lhe interessa que estas coisas se traduzam em experiência para a vida da igreja.
Nunca há uma
instrução ou um ensino sobre a vida prática que não esteja fundamentada na
revelação. Mas, por outro lado, nunca há uma verdade revelada de Deus em Cristo
que não esteja logo aplicada à experiência prática. São como as duas asas de
uma ave; que necessita de ambas para voar.
Então, nesta
segunda parte de Romanos, o apóstolo Paulo nos introduz na vida cristã prática;
mas essa vida cristã prática é fundamentada nos outros onze capítulos que ele
escreveu.
As misericórdias
de Deus
O versículo 1 do
capítulo 12 começa com a expressão: «Assim que…». Esta é uma expressão que
percorre toda a carta. Em outras partes se traduz «portanto…», mas a expressão
grega é a mesma. E isso significa que o que ele vai dizer está apoiado em tudo
o que ele já disse até este momento, que inclui os primeiros 11 capítulos de
Romanos.
Agora, veja que
importante isto, porque o que ele disse até aqui é realmente abundante em
revelação. E esse «portanto…» é a porta de entrada ao que vem a seguir: a vida
cristã prática.
«Assim, irmãos,
rogo-vos pelas misericórdias de Deus…». A primeira parte de Romanos, então,
trata das misericórdias de Deus. Que maravilhoso! Uma dessas misericórdias é a
eleição de Deus. Mas Paulo nos dirá que não apenas a eleição divina é um ato
misericordioso de Deus, mas a totalidade da vida cristã se fundamenta nas
misericórdias de Deus.
Ele vai mencionar
pelo menos cinco grandes misericórdias que Deus tem feito conosco em Cristo
Jesus. E elas têm um propósito, são os fundamentos da vida cristã. Quando você
pensa em construir uma casa, primeiro tem que colocar fundamentos. Se a vida
cristã prática for a casa, os fundamentos dela são estas misericórdias de Deus.
Sem elas, não se pode edificar.
Muitos dos
problemas que temos em nossa vida prática se devem a que nossos fundamentos não
foram colocados de maneira adequada. Em 1ª Coríntios 3:10, Paulo diz: «Eu, como
perito arquiteto, pus o fundamento». Em seguida diz: «Porque ninguém pode pôr
outro fundamento além do que está posto, o qual é Jesus Cristo» (V. 11).
Pôr esse fundamento
requer certa perícia, que nem todos têm. Por isso diz: «Eu, como perito
arquiteto…», embora a palavra arquiteto fosse melhor traduzido como construtor.
O arquiteto é o que faz os planos, mas aqui está falando de quem constrói.
Para pôr
fundamentos, você tem que saber. E principalmente em um país como o Chile, que
é sísmico. O mesmo Senhor ensinou, no Sermão do Monte, quão importante é o
assunto do fundamento sobre o qual se edifica a casa, neste caso, a nossa vida
cristã.
Depois do terremoto
de fevereiro de 2010, viajamos com alguns irmãos a Concepción, e passamos a
única ponte que ficou em pé sobre o rio Biobío, que justamente cruza pelo lugar
onde desabou um edifício. Era um espetáculo realmente aterrador: aquele imenso
edifício completamente deitado no chão. E, quando os peritos foram investigar a
causa da queda, foi descoberto um grande problema: o edifício foi literalmente
construído sobre a areia. Isto é uma comprovação da parábola do Senhor Jesus.
Agora, outros
edifícios também foram levantados ali, mas com eles foram cavados o suficiente,
até encontrar a rocha. As pessoas que construíram aquele edifício, não o
firmaram sobre a rocha. «…E vieram rios, e sopraram ventos, e deram com ímpeto
contra aquela casa; e caiu, e foi grande a sua ruína» (Mt. 7:27), porque estava
edificada sobre a areia.
Nestas palavras,
detectamos algo muito importante. O Senhor disse: «…vieram rios, e sopraram
ventos…». Sempre e inevitavelmente, soprarão os ventos e virão os rios contra a
nossa vida. O Senhor o disse; não se pode evitar. Você gostaria que não
houvesse ventos, inundações, perigos; mas o Senhor o disse. Nossa vida vai ser
provada.
A sua vida, minha
vida com o Senhor, vai ser provada. Porque a única forma de saber se os
fundamentos estão bem colocados é pondo-os a prova.
Irmãos amados, o
que o Senhor procura em nós é realidade. O que Deus quer em sua vida são coisas
reais; mesmo que seja pouco, mas que seja real. Não quer aparências, não quer
questões falsas, errôneas. E, como ele quer que a verdade esteja em sua vida,
ele vai comover uma e outra vez os fundamentos da sua vida.
Em Hebreus diz que,
o Deus que um dia comoveu a terra com a sua voz, novamente comoverá a terra e
os céus; e todas as coisas que sejam mutáveis serão comovidas, para que fiquem
as incomovíveis. Se pudéssemos descrever a vida cristã, eu diria que é isso.
Deus comove tudo em nossa vida, para que fique o que não pode ser comovido.
Por isso, os
fundamentos são essenciais. Se a sua vida não tiver bons fundamentos,
inevitavelmente, você vai sofrer e vai ter problemas. Por isso, o apóstolo
Paulo dedicou 11 longos capítulos de sua carta aos Romanos, para falar dos
fundamentos ou das misericórdias de Deus.
E quando Paulo
começa a dizer: «…rogo-vos pelas misericórdias de Deus», está fazendo alusão a
todos esses fundamentos, que são essenciais para a vida cristã; e para a
edificação não só da vida pessoal de cada um dos crentes. Se você seguir lendo
verá que, a partir do versículo 3 do capítulo 12, Paulo vai nos falar da
igreja, que é o corpo de Cristo. Porque o lugar onde se vive e se realiza a
vida cristã é, segundo o desenho de Deus, a igreja.
Colaborando com
Deus
No versículo 2, diz
algo mais: «Não vos conformeis a este século, mas transformai-vos por meio da
renovação do vosso entendimento, para que comproveis qual seja a boa vontade de
Deus, agradável e perfeita». A palavra comprovar significa conhecer por
experiência. E, quando Paulo fala da boa vontade de Deus, está se referindo ao
propósito eterno de Deus (Rm. 8:28-29), agora conhecido e experimentado por
nós.
Uma coisa é a
revelação do propósito de Deus, mas agora Paulo fala de experimentar, ou viver
nesse propósito. Porque Deus não só quer que o conheçamos intelectualmente; ele
quer que vivamos por meio do seu propósito. Se você sozinho souber a sua
vontade, mas não vive nessa vontade, não serve de nada. Então, Paulo diz:
«…para que comproveis…», ou o mesmo que dizer: «para que conheçam e vivam a boa
vontade de Deus».
«… aos que antes
conheceu, também os predestinou para que fossem feitos conforme à imagem de seu
Filho, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos» (Rom. 8:29). Essa é
a vontade de Deus. Mas agora está falando de que essa vontade de Deus se
converta em nossa experiência. A isto fomos chamados. Glórias ao Senhor!
Por isso, Paulo
diz: «Não vos conformeis a este século, mas transformai-vos…». A expressão
«transformai-vos», no grego, está no que chamamos ‘voz media’. Em português,
temos duas vozes. Quando dizemos que executamos algo, usamos a chamada voz
ativa: «Eu faço, eu atuo». Quando digo que eu recebo sobre mim a ação de outro,
então usamos a voz passiva. Mas o grego tem uma terceira voz, a voz media. Qual
é esta? Quando eu quero dizer que faço algo e, simultaneamente, que outro faz
também em mim, quer dizer, a ação eu executo e ao mesmo tempo outro a executa
sobre mim, uso em grego a voz media.
Isto é muito
importante, porque a transformação, o processo pelo qual nos convertemos de um
nada à glória dos filhos de Deus, é um processo que Deus faz, mas no qual nós
também temos uma parte. Por isso, usa-se a voz media. «transformai-vos…». Não
diz: «Sede transformados…», porque isto significaria que teríamos que ficar
sentados e esperar que Deus fizesse tudo. A ênfase não está em que Deus faz
tudo; nem tampouco diz que eu tenho que fazer tudo sozinho, porque seria
impossível. Deus faz, e eu respondo também ao que ele faz.
Nestes dias, Deus
nos falou da graça e da responsabilidade, e nos mostrou que estas duas coisas
não se podem separar. A vida cristã não é apenas graça nem só responsabilidade.
Se fosse só graça, converter-se-ia em libertinagem, e se fosse só
responsabilidade, converter-se-ia em legalismo. Mas a vida cristã é graça e
responsabilidade – nessa ordem. É graça que busca uma resposta da nossa parte;
nossa colaboração. Isso significa responsabilidade.
Transformados
A palavra grega que
foi traduzida aqui como «transformai-vos», é utilizada habitualmente no estudo
dos insetos, que é metamorfose. Esta palavra aparece mais duas vezes no Novo
Testamento. Uma em 2ª Coríntios 3:18: «portanto, todos nós, olhando o rosto
descoberto como em um espelho a glória do Senhor, somos transformados
–metamorfoseados– de glória em glória na mesma imagem…». E o outro texto está
em Mateus 17:1-2: «Seis dias depois, Jesus tomou a Pedro, a Tiago e a João seu
irmão, e os levou à parte a um alto monte; e se transfigurou –se metamorfoseou–
diante deles…». O Senhor se transfigurou diante dos seus discípulos, quer
dizer, adotou uma figura distinta; revelou a sua glória. Eles já não o viram
com o véu da carne, mas transfigurado.
Quando vemos a
Jesus transfigurado, naquela glória com a que apareceu aos seus discípulos, nós
vemos o propósito de Deus para a nossa vida. Jesus glorificado; essa é a imagem
a qual Deus nos quer transformar. Você pode notar tudo o que Deus tem em mente?
Esse Senhor transfigurado é a imagem a qual Deus nos predestinou, para que
sejamos semelhantes a ele. Nós, que somos menos do que nada, pobres,
miseráveis, pecadores, cegos, nus… fomos predestinados, para um dia sermos
feitos semelhantes a Jesus Cristo.
Mas alguém pode
perguntar: ‘Como? Chegarei lá algum dia? Será possível que eu seja
transformado?’ Se observarmos a nossa vida cristã, não parece que todo esse
assunto é muito lento? Não nos parece que não mudamos nunca? E que passam os
anos, e os mesmos enganos, fraquezas e fracassos seguem ali? Pois, a maioria de
nós avançamos lentamente.
Mas eu creio que
Deus quer, e que é a sua vontade que sejamos transformados à imagem de seu
Filho Jesus Cristo. Creio, porque está escrito, e Deus não pode mentir. Porque
para isso nos criou, para isso nos predestinou, e é por isso que queremos. Você
quer mudar e quer ser diferente, não porque você é bom. Isto não nasceu de
você. Deus o plantou em seu coração! É o desejo de Deus que arde em nós, porque
somos seus filhos.
Então, irmãos
amados, eu creio que o Senhor, em sua misericórdia, dá-nos uma chave essencial
para a vida transformada aqui em Romanos 12:1-2.
Paulo está nos
dizendo algo importante: a transformação é uma obra de Deus, mas também é obra
nossa. Há uma parte que Deus faz, mas há uma parte que nos fazemos. A mais
importante, a essencial, é a que Deus faz. A parte de Deus está contida nessa
pequena frase: «as misericórdias de Deus». Elas contêm a parte que Deus faz em
nossa transformação.
A nossa parte é a
que vem a seguir: «Não vos conformeis a este século, mas transformai-vos por
meio da renovação do vosso entendimento…» (12:2). O apóstolo Paulo coloca aqui
uma frase chave para a vida cristã prática, e que penso é algo que nós passamos
por cima constantemente. De alguma maneira, não nos damos conta com facilidade
disto. Diz: «transformai-vos…», e nos diz como: «… por meio da renovação do
vosso entendimento».
A importância da
mente
A Escritura nos diz
que a transformação, a metamorfose, na vida cristã, ocorre por meio da
renovação do nosso entendimento. Nossa mente, nosso entendimento, tem um papel
vital na vida cristã prática. E, se nós descuidarmos disso, descuidamos de toda
a nossa vida.
Embora estejamos
falando dos fundamentos, vamos tratar de pô-los em ordem. Segundo
Tessalonicenses, o ser humano está constituído de três partes: espírito, alma e
corpo. A parte mais interior da natureza humana é o espírito, que foi criado
para ter comunhão com Deus, e também é o órgão consciente da lei moral de Deus.
O espírito está
consciente das coisas de Deus, e entende a linguagem do Espírito Santo. E não
só isso, o espírito é a morada, a habitação do Espírito Santo no homem.
Quando nós nascemos
neste mundo, por causa de todos sermos filhos de Adão, nascemos com um espírito
morto. Quando o digo assim, não me refiro a que esteja literalmente morto, mas
sim que está carente de função para com Deus. Quer dizer que, quanto a Deus, o
espírito está morto por causa do pecado. Por esta razão, o homem natural não
percebe as coisas que são do Espírito de Deus (1ª Co. 3).
Assim como um cego
não percebe a luz nem as cores, assim também um homem cujo espírito está morto
não percebe as coisas que são do Espírito de Deus. O Espírito de Deus pode ser
um vento que sopra com força ao redor dele, mas ele não o percebe.
O dia em que você
creu em Jesus Cristo ocorreu um milagre maravilhoso em sua vida: Você é
regenerado. Isso significa que o Espírito de Deus entrou em seu espírito e
restaurou a sua função original. E, a partir desse momento em diante, o seu
espírito passa a estar vivo e funcionando para Deus. Agora você percebe as
coisas que são do Espírito de Deus; você está vivo, sente essa agitação da vida
em seu interior, sente a voz do Espírito dentro de você. Isto é porque o seu
espírito foi regenerado pelo Espírito de Deus.
Mas, observe, ainda
não aconteceu nada com a sua alma. O que foi renovado é o seu espírito, e você
agora está interiormente despertado para as coisas de Deus. Mas a obra de
transformação que o apóstolo Paulo fala não se refere ao nosso espírito –
refere-se a nossa alma.
É ali onde deve ser
efetuada a mudança, a transformação; é ali onde devemos ser conformados à
imagem de Jesus Cristo. Em nossa alma, que é onde reside a nossa personalidade;
aí onde está o eu, onde estão os pensamentos, as lembranças, a vontade, as
emoções e a mente. E agora vem outra chave: a porta de entrada para a vida da
alma não é a vontade nem são as emoções; é a mente. Tudo passa através da
mente.
Se o seu espírito
for regenerado, mas a sua mente não se renovar, a vida nova que está em seu
espírito não poderá alcançar a sua alma. É uma chave absoluta na Escritura. Por
isso a ênfase – a mente tem que ser renovada.
A mente como uma
janela
Quando vinha para
cá, no caminho, dava-me conta que o vidro traseiro do meu automóvel estava
horrivelmente sujo e não podia ver quase nada. Assim também, se a sua mente não
se renovar, é como uma janela suja. Você trata de olhar através dela, e não vê
nada. Você trata de apropriar-se das coisas espirituais, e não pode. Se a sua
mente não se renovar, você nunca poderá se apropriar das coisas que Deus tem
feito em Cristo. Por isso Paulo enfatiza tanto este ponto.
Todas as
misericórdias de Deus são coisas reais, são verdadeiras; todas estão ali, mas
você não tem como alcançá-las. Poderá ouvir pregação após pregação, mas a sua
mente é velha e ainda não se renovou; ainda é terrena e humana. Você ainda tem
a mente do Adão caído, do Adão terrestre.
É impossível que
você ou eu possamos viver a vida cristã com uma mente que não se renovou; não
há transformação possível. A Escritura põe uma ênfase central nisto.
Vejamos Efésios 4.
Quando Paulo fala da vida cristã prática, parte outra vez para o mesmo assunto.
«E digo isto, e testifico no Senhor: que já não andeis como os outros gentios,
que andam na vaidade da sua mente…» (Ef. 4:17). A vida que os gentios vivem é
vã, porque vivem na vaidade da sua mente. Sua mente é vã, cheia de pensamentos
vãos, sem propósito, sem o destino, sem assunto; sem conhecimento de Deus, nem
dos caminhos, nem dos pensamentos de Deus.
«…tendo o
entendimento entrevado –em trevas–, alheios da vida de Deus» (V. 18). É uma
mente que não tem a menor capacidade de perceber as coisas de Deus. Deus não
existe para eles. «Diz o néscio em seu coração: Não há Deus» (Sal. 14:1). A
expressão não se refere a uma negação teórica. O néscio não o diz em sentido
filosófico teórico, ao modo de Nietzsche e outros. O néscio é aquele para quem
Deus não existe na vida prática. Até pode ser que creia que existe um deus por
aí, mas isso não faz nenhuma diferença para a sua vida prática. Na vida real,
Deus está ausente. Esse é o néscio, segundo a Escritura.
«… alheios da vida
de Deus», porque a sua mente está em trevas. «… pela ignorância que há neles,
pela dureza do seu coração; os quais, depois que perderam toda sensibilidade,
se entregaram à lascívia…» (Ef. 4:18-19). Observe, este é o caminho dos
pecadores. Quando a mente está entrevada e se torna vã, os homens se tornam
escravos de desejos desordenados.
Irmãos amados, os
que pastoreiam, recordem isto: Quando uma pessoa está dominada por um desejo
desordenado, compulsivo, que não pode controlar, o problema não está no desejo
em si – está em sua mente. É sua mente que precisa ser renovada para que seja
libertada. Porque a Escritura diz claramente: a lascívia é um desejo
desordenado e compulsivo, que você não governa, sobre o qual não tem poder; mas
essa é a conseqüência de uma mente entrevada e vã.
A mente produz esse
efeito sobre a vontade e sobre as emoções, porque, na ordem de criação de Deus,
a mente deve governar a vontade e as emoções. Se a mente estiver em trevas, a
vontade também estará em escuridão, e os desejos se apoderarão dela.
A importância da
Verdade
Mas o versículo 20
diz: «Mas vós não aprendestes assim a Cristo…». Observe a ênfase e a maneira em
que Paulo fala de Cristo aqui. Você pode recordar as palavras do Senhor quando
ele disse: «Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida» (João 14:6). E Paulo,
aqui, fala-nos de um desses três aspectos – Cristo como «a verdade». Observe,
porque ele está falando da mente. E a maneira em que a mente aprende a Cristo,
apropria-se de Cristo, é conhecendo-o como a verdade. Não esqueça isto: O
espírito se apropria de Cristo como vida; mas a mente se apropria dele como
verdade.
Cristo é tão
completo. Ele não é apenas a vida; também é a verdade. E, sendo ele a verdade,
pode renovar a nossa mente. Por isso diz: «… se na verdade o ouvistes, e fostes
por ele ensinados, conforme é à verdade que está em Jesus». Você conhece a
verdade que está em Jesus? Conhece a Jesus Cristo como a verdade, e não só como
a vida ou como poder? Porque o único que pode renovar a sua mente é Cristo, a
verdade.
E então diz:
«Quanto à passada maneira de viver, vos despojeis do velho homem, que está
viciado conforme os desejos enganosos, e vos renoveis no espírito da vossa
mente, e revesti-vos do novo homem, criado segundo Deus na justiça e santidade
da verdade» (Ef. 4:22-24). Porque esse é o assunto – a verdade está em Jesus.
Se você ler Romanos
6, que é uma das misericórdias de Deus, um dos fundamentos da vida cristã, descobrirá
que ali diz que «o nosso velho homem foi crucificado juntamente com ele
(Cristo)» (Rom. 6:6). Esta crucificação do velho homem está no tempo passado.
Algo que já ocorreu; um fato definitivo, completo, acabado no passado.
O menciono, porque,
quando você lê em Efésios 4:22, parece que diz uma coisa distinta. Diz: «vos
despojeis do velho homem…». Então, a pergunta é: que diferença há entre o meu
velho homem que foi crucificado, e o que Paulo diz agora para que nos
despojemos do velho homem? Veja a diferença: Lá é algo que já ocorreu; aqui é
algo que tem que ocorrer. Em Romanos 6 é um fato completo, acabado; mas aqui é
dito que é algo que ainda tem que ser realizado.
Mas, recorde, no
princípio dissemos que a revelação e o ensino são as duas asas necessárias para
voar. A primeira asa é que o nosso velho homem «foi crucificado»; e a segunda:
«despojai-vos». O que significa isso? Paulo quer dizer que, o velho homem, em
termos absolutos, do ponto de vista da verdade, já foi crucificado com Cristo e
terminou a sua carreira. Esse é o fato, essa é a verdade.
Mas, ainda o velho
homem habita em minha mente. Aqui, minha mente, é ainda a mente do velho homem.
Então – embora esteja crucificado e foi crucificado com Cristo, em minha
experiência, está aqui, na medida em que vive em minha mente. Se minha mente
for ainda à mente de Adão, a mente caída do velho homem, ainda o velho homem
está aqui.
Então, o que tem
que ocorrer? Tenho que me despojar do velho homem. E isto se refere a que
coisa? A tirar o velho homem de minha mente, isto é, os pensamentos, conceitos
e crenças associados com ele. Quando nascemos, nossa mente é como uma folha em
branco. À medida que crescemos, o mundo que nos rodeia vai escrevendo nela, e
vai estruturando a sua imagem. Suas idéias, conceitos e crenças são gravadas
profundamente em nossas mentes, e em seguida passam a governar as nossas
emoções e vontade. Este mundo jaz debaixo do pecado, e assim, através da nossa
mente, o pecado se apodera da nossa vida.
No entanto, agora
em Cristo estamos livres do poder do pecado, e, por meio do Espírito, temos o
poder de renovar a nossa mente, e com isso toda a nossa vida interior, quer
dizer nossa vontade e emoções. Ao fazê-lo, ao nos renovar na estrutura
fundamental de nossa mente, ou como diz Paulo, «o espírito da vossa mente»,
toda a nossa vida prática será afetada e transformada pela vida divina. A
vontade por si mesmo é incapaz de tomar decisões, a menos que seja iluminada
pelo entendimento e energizada pelas emoções. Por isso, se nosso entendimento
estiver entrevado, a vontade ficará escrava dos desejos desordenados do nosso
corpo.
A Escola de
Cristo
Necessitamos,
portanto, saber de que maneira prática colaboramos com a renovação do nosso
entendimento. O grande teólogo puritano John Owen afirmou que o Espírito Santo
opera em nós e conosco, mas nunca sem nós. Compreender isto é fundamental. Como
dissemos no princípio, Deus deseja que colaboremos com ele em nossa
transformação. E aqui ele cobra uma importância essencial o uso dos nossos
corpos. Por isso, a primeira coisa que devemos fazer, a fim de renovar as
nossas mentes, é apresentar os nossos corpos a Deus em holocausto vivo, segundo
Romanos 12:1.
De fato, os nossos
corpos foram desde o começo o lugar onde o pecado residiu e realizou os seus
atos. Convertemo-nos, com o passar do tempo, em pecadores habituais, pois os
nossos corpos se encontravam quase automaticamente orientados a fazer o mau. Em
outras palavras, estávamos condicionados por uma infinidade de hábitos
pecaminosos que residem em nossos corpos.
Por isso, a
transformação requer a aquisição de um conjunto inteiramente novo de hábitos
espirituais. E isto é algo que nós devemos fazer, embora fundamentados nas
misericórdias de Deus em Cristo. Deus nos deu todos os recursos espirituais
para que sejamos feitos conforme a imagem de seu Filho. Mas o fazer um uso
adequado destes recursos depende de nós.
Como podemos,
então, renovar as nossas mentes? A resposta do apóstolo, na linha do que se tem
dito até aqui, poderia ser chamada a «escola de Cristo». Nela Cristo é tanto o
mestre como o conteúdo a ser aprendido. Em Efésios, como vimos, Paulo nos diz
que nela somos ensinados por Cristo segundo a verdade que está em Jesus (4:21).
É interessante
observar que o apóstolo usa aqui o nome «Jesus» para referir-se ao Senhor. Por
que razão? Porque este tem em mente a Jesus como homem perfeito (o novo homem),
a quem somos chamados a seguir e imitar como seus discípulos ou aprendizes. No
mundo antigo, os alunos não só deviam aprender o ensino de seu professor, mas
também a sua forma de vida. Isto era basicamente um discípulo. E disso se trata
a «escola de Cristo».
Certamente, para
entrar nesta escola necessitamos, como ponto de partida, um conjunto de
habilidades e capacidades espirituais totalmente novas, que o homem natural (e
pecador) simplesmente não possui. Mas estas novas habilidades nos foram
concedidas e garantidas pelas misericórdias de Deus. Estamos, portanto, em
condições de enfrentar a tarefa de sermos discípulos de Cristo e sermos
conformados a ele em tudo. Trata-se de nos conformar em tudo a Jesus, tal como
ele foi e andou enquanto viveu neste mundo. Sermos semelhantes a ele em sua
vida e em sua morte.
Aprendendo de
Jesus
Sobre isto temos
muito que dizer, mas ao menos podemos nos fixar em dois ou três pontos básicos:
Em primeiro lugar,
em fazer da prática da comunhão com Deus a nossa ocupação principal, visto que
isto é o que Jesus fazia. Os evangelhos nos dizem que o Senhor se apartava
habitualmente para estar a sós com Deus, às vezes bem cedo na manhã. Nada era
mais importante para ele. De fato, antes de tomar algumas decisões muito
importantes, passava a noite inteira em oração. De modo que, quando afirmava
não fazer nada por si mesmo, mas o que via fazer o Pai, referia-se também a sua
prática habitual de passar tempo a sós com Deus. Estes são atos que passamos
normalmente por alto, pensando equivocadamente que o Senhor estava isento
destas práticas. Mas não era assim.
A encarnação do
Filho significou que este decidiu percorrer o caminho do homem, e relacionar-se
com Deus como homem. Desta maneira ele se converte em nosso Mestre e exemplo de
vida espiritual. Se quisermos ser como ele, nos diz João, devemos andar como
ele andou. Ou, nas palavras de Pedro, devemos seguir o seu exemplo e andar em
suas pisadas.
Em conseqüência, o
tempo a sós com Deus implica o disciplinar nossos corpos para dedicar tempo à
comunhão a sós com Deus, e fazer disto a meta principal de nossa vida cristã.
Em segundo lugar,
precisamos meditar na palavra de Deus habitualmente. Isto deve ser uma prática
disciplinada e constante. Pois só a palavra de Deus tem o poder de despir e
remover de nossa mente os hábitos de pensamento do velho homem. O salmo 1 nos
fala que meditar na lei de Deus de dia e de noite é a condição essencial para
uma vida de abundância espiritual. Pois ao fazê-lo, obrigamos as nossas mentes
a sintonizar-se com as coisas e realidades do Espírito.
Renovando a mente
Nossas mentes estão
habituadas a percorrer de maneira automática os caminhos, conceitos e crenças
falsas deste mundo. Portanto, precisamos exercitá-la de maneira consciente para
pensar segundo a verdade que está em Jesus. Cada dia e a cada momento devemos
trazer nossas mentes à verdade que está em Jesus e rejeitar os pensamentos
antigos que estavam acostumados a governar nossa vida e conduta, até que
hábitos completamente novos de pensamento se formem nelas.
Em outras palavras,
precisamos trazer, junto com os nossos corpos, as nossas mentes ao Senhor. Para
muitos de nós, acostumados às coisas rápidas e instantâneas, tudo isto pode
parecer muito estranho e esforçado. Mas, não existem atalhos no caminho da
transformação espiritual. Na medida em que a verdade renova a nossa mente, a
realidade da qual ela nos fala se converterá em nossa experiência.
As misericórdias de
Deus só se tornarão parte da nossa vida e experiência quando aprendermos a
pensar e ver todas as coisas através delas. Nossa mente deve ser renovada por
elas. E para isso, precisamos aprender a fixar nossas mentes na palavra de
Deus, memorizá-la e repeti-la constantemente ao nosso coração. Desta maneira,
os velhos hábitos de pensamento serão trocados pelo poder dessa palavra, que é
a espada do Espírito, capaz de examinar e trazer à luz os nossos pensamentos e
crenças mais profundos. Então, a vida que está em nosso espírito fluirá para a
nossa alma e o nosso corpo mortal.
O Corpo
Neste caminho,
finalmente, precisamos viver em comunhão e sujeição ao corpo de Cristo.
Aprender a confiar as nossas lutas, dúvidas e dificuldades a outros e a esperar
direção, sabedoria e conselho divinos da parte deles. Isto é parte fundamental
da escola de Cristo.
A disposição para
sermos ensinados, corrigidos e ajudados por Cristo através dos nossos irmãos,
forma parte essencial de nosso seguir a Cristo como discípulos, para aprender
dele e sermos ensinados por ele. De fato, este foi o assunto que Paulo tratou
no texto que segue às misericórdias de Deus (Rom. 12:3 ss.).
Finalmente, é
necessário dizer que a graça não é contrária ao esforço, mas ao mérito. Nada do
que foi dito até aqui nos fará mais justos ou aceitáveis diante de Deus. Isto é
um dom gratuito de Deus em Cristo, de acordo com a primeira parte de Romanos.
Não obstante, existe, de acordo com o próprio apóstolo Paulo, a necessidade de
nos esforçarmos na graça que esta em Cristo Jesus (1ª Tim. 2:1). Sem este
esforço «na graça», as maravilhosas misericórdias de Deus e tudo o que elas
implicam, permanecerão como um ideal, um desejo ou um lindo ensino, mas nunca
se converterão em algo que provamos e comprovamos por experiência.
Fonte: Águas Vivas
Louvai ao Senhor!
Por Cristo. Em Cristo. Para Cristo.
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